16.10.10

Um intervalo na vida




O sol vai descendo lentamente no horizonte. Sentado na areia, ele acende um cigarro e fixa os olhos no mar. Um vento mágico levanta uma nuvem de areia, ondas gigantes assaltam a praia. Ela atravessa o areal com os braços cruzados para se proteger da humidade, agora que o sol é só uma fraca bola flamejante e caminha na direcção do mar, sentando-se também a observar a imensidão que o horizonte alcança.
Estão assim os dois sentados, a pensar. Ele a fumar, ela simplesmente a olhar. Em silêncio. Passou um mês desde que se conheceram. Durante esse tempo, descobriram-se, gostaram um do outro, tornaram-se inseparáveis, horas a fio à conversa ao telefone, pela internet. Hoje ele sabe tudo sobre ela, os seus gostos, os seus hábitos, as suas virtudes, as suas vulnerabilidades, os seus desejos e os seus medos. E ela sabe tudo sobre ele, donde vem e para onde deseja ir. Durante esse mês foram só um para o outro, como se não houvesse mais ninguém nas suas vidas, como se nada estivesse entre eles e pudessem ficar juntos para sempre. Nesses dias secretos fingiram que não havia complicações, que não tinham compromissos, responsabilidades. Riram-se apaixonadamente das pequenas piadas, tiveram longas conversas, demoraram sempre a dizer até amanhã, prolongando sempre o momento mais um bocadinho, tardando a separação com mais uma palavra, mais um beijo. Mesmo afastados, caminharam pelos dias com a consciência um do outro, ele lembrando-se dela a propósito de nada, com um sorriso no pensamento, ela guardando sempre algo que lhe ocorria para lhe dizer mais tarde.
Agora o sol está a metade entre o mar e o céu. Ele apaga o cigarro a pensar que chegaram ao fim. Ela agarra um punhado de areia fina e deixa-a escapar por entre os dedos como uma ampulheta a marcar um último minuto. Ele não tira os olhos do oceano, ela também não. Estão sozinhos, mas prestes a regressar às suas vidas, lamentando que o destino não os tivesse cruzado mais cedo. Assim, sabem que só lhes resta dizerem adeus e ficarem com aquele mês, aquele intervalo nas suas vidas, como uma saudade feliz para todo o sempre. Num impulso, ele usa o telemóvel para tirar uma fotografia aos raios de sol que se extinguem e envia-a para ela com a mensagem, estou na minha praia. Ela recebe a mensagem, sorri, faz o mesmo e envia-lhe a fotografia com a mensagem, e eu estou na minha. A praia dele é perto de Lisboa, a praia dela fica perto do Porto. Tal como ao longo das últimas semanas, estão separados pelo espaço e pela vida, mas sentem-se tão juntos como se se pudessem tocar    :)